Minha amiga Maria Balé me enviou um texto delicioso publicado recentemente no site argentino Perfil.com. Assinado por Lucila Castro, uma Professora de Letras, é uma crítica lúcida aos excessos e equívocos do chamado “politicamente correto”. Para mostrar que essa história vem de longe, a autora cita o livro de Agatha Christie, lançado em 1939, sob o título original “Ten little niggers”, ou “Dez negrinhos”. São dez pessoas reunidas em uma ilha, chamada Ilha Negra, que acabam assassinadas uma após a outra. O argumento segue a linha de uma tradicional canção infantil inglesa, usada para ensinar os números às crianças, em que dez negrinhos desaparecem um após outro.
Lançada nos Estados Unidos, a novela inglesa ganhou outro título: “E não sobrou ninguém”, a ilha, ao invés de Negra, acabou rebatizada como “Ilha Indígena”, e no texto da canção os “negrinhos” mudaram para “indiozinhos”. A razão: nos Estados Unidos a palavra negro era, já desde aquele tempo, muito ofensiva.
Na Grã Bretanha o título original permaneceu até 1985, quando então adotou o título norte-americano. E nas últimas edições, como também a palavra “índios” poderia ser ofensiva, os “indiozinhos”, antes “negrinhos” da canção, se converteram em “soldadinhos” (Dez pequenos soldados)...
Seria cômico, não fosse trágico. Os ardorosos defensores do “politicamente correto” adoram um eufemismo; confundem o nome com o objeto e, mesmo não querendo insultar, acabam insultando. Isso me lembra uma história assustadora contada por um amigo: uma sindicalista negra revoltou-se, durante uma reunião, quando um companheiro pediu que se “esclarecesse” um ponto da pauta. Para ela, “esclarecer” era termo racista...
Para que uma palavra nos ofenda temos que aprender, antes, que tal palavra é ofensiva, lembra Lucila Castro. É quando ensinamos às crianças que palavras assim “não devem ser ditas”. Mas as palavras se gastam, e os racistas e os intolerantes que buscam ofender ao outro, estes sempre irão encontrar novos termos. Por que então devemos permitir que nos roubem o vocabulário?
Outro dia usei em uma crônica o termo “anos negros” para simbolizar os anos de ditadura no país. Alguém me chamou a atenção, dizendo que o termo é tão incorreto quanto “denegrir”. Fiquei a imaginar como ficaria a música de Chico Buarque “Meu Caro Amigo” sem o verso “a coisa aqui está preta”. E que erro teria cometido o pai Gilberto Gil, que escolheu dar o nome de Preta a sua filha, com registro em cartório e tudo...
Alexandre Pellegi
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